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OPINIÃO: A gente até janta...

Conheci Angélica numa sala de espera de um laboratório de análises clínicas de Santa Maria, aguardando sua mãe que tratava de um emprego de carteira. Ela, no alto dos seus 8 anos, sentada elegantemente segurando uma sacola de ferramentas recém compradas, era uma menina bonita, bem penteada, falava num tom de voz baixo e com um domínio invejável do padrão culto da língua portuguesa.

Conversamos sobre os frequentadores e os animais da praça em frente, o trânsito, e partimos para sua rotina, sua família e sua escola. Foi aí que ela me deu uma lição. Angélica me contou que mora perto do morro, que estuda no colégio das irmãs, e como está no projeto tem direito de assistir aulas de manhã e ficar nas atividades da tarde, o que lhe garante almoço e lanche.

Comentou muito sobre a qualidade da comida, como era gostosa, enfatizando que podia repetir e que, quando tinha cachorro-quente, podia pegar um e levar para o seu irmão. Perguntei sobre suas notas e ela respondeu: são mais para altas do que para baixas. Ainda, o que gostas mais de estudar? Matemática, que sempre tiro 10, e Ciências que fica entre 9 e 10, mas no momento estou meio desiludida com a profe de Ciências.

Fizemos silêncio, olhamos para o nada, e temendo ser invasiva perguntei o porquê de tal desilusão. Foi aí que tomei um banho sócio-político-econômico e educacional. Ela me explicou que no teste que valia 4 a profe perguntou o que era sol e tinha espaço para escrever só uma palavra. Ela escreveu comida, a professora desconsiderou a resposta e tirou os pontos que lhe dariam 4 no teste. Angélica estava visivelmente abatida com tal evento. Indaguei se ela havia tentado falar com a profe. Tentei, mas ela não quis. Aí, fiz a minha parte e perguntei: Por que sol é comida?

Ela pestanejou e disse: eu moro na subida, sabes não é? De manhã eu desço com meu pai e minha mãe. O pai corta grama, poda e arruma jardins. A mãe passa roupas nas casas das freguesas, porque os dois estão sem emprego de carteira. Na volta da escola, nos encontramos, passamos no mercadinho, compramos as coisas e vamos para casa. Mas para isto tem que ter sol, sem sol e muito frio, meus pais não têm trabalho e a gente fica sem comida. Nesta fala, ela parou repentinamente e me perguntou: Carmen, tu achas que era mais importante eu escrever que o sol é um astro ou que o sol é comida?

E emendou na pergunta num tom exclamativo: Quando tem sol a gente até janta! Ali pensei na formação dos professores, nas pesquisas sobre ensinar, aprender, planejar, avaliar, contextualizar saberes, e nos educadores que tanto se debatem pela educação humanizadora. Olhamo-nos, e, enquanto pensávamos, o mundo se dissolveu, deixando para nós a sensação de impotência. Caro leitor, se você estivesse falando com a Angélica, qual das alternativas escolheria?

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